O Mercado de Notícias - Um documentário sobre jornalismo

PICASSO DO INSS

Como um cartaz de 20 dólares vira notícia

Em março de 2004, o jornal Folha de S. Paulo publica na capa de sua edição de domingo (07.03.2004), sob o título “Decoração burocrata”, uma reportagem informando que um valioso “desenho do pintor espanhol” Pablo Picasso “passa os dias debaixo de luzes fluorescentes e em meio à papelada de uma repartição do governo federal”, dividindo sua “moldura com restos de inseto”. Na foto, além da reprodução do supostamente valioso desenho, um retrato do Presidente Lula. O sentido da matéria é claro: os novos ocupantes do governo federal não reconhecem e não sabem lidar com o valor da arte. A notícia do suposto descaso com tão valiosa obra aparece em vários jornais, revistas e sites, no Brasil e no exterior. A observação atenta de alguns leitores logo deixa evidente que se trata de uma “barriga”: o tal desenho de Picasso é, na verdade, de uma reprodução fotográfica, sem nenhum valor. Os jornais são alertados de seu erro, mas nenhum desmente a informação. Em dezembro de 2005, o “Picasso do INSS” está outra vez na capa da Folha de São Paulo (29.12.2005) e também na do Estado de S. Paulo: um incêndio destruiu parte do prédio do INSS mas, para alívio de todos e apesar do descaso dos órgãos públicos, o “valioso” Picasso foi salvo das chamas. Mais uma vez os jornais são alertados por leitores de que se trata de uma reprodução sem valor, mas nada noticiam. As reportagens que tentam esclarecer os fatos só fazem aumentar a confusão. Detalhe: o supostamente valioso desenho de Picasso foi dado ao INSS como pagamento de uma dívida. Em quanto foi avaliado? E por quem?

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Repercussão

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BOLINHA DE PAPEL

Por que ninguém lembra de algo que todo mundo viu?

No dia 20 de outubro de 2010, pouco antes do segundo turno da eleição presidencial brasileira, a campanha eleitoral foi marcada por um incidente. O candidato de oposição, José Serra, interrompeu sua agenda para ser submetido a uma tomografia e a exames clínicos. O motivo: uma suposta agressão por militantes governistas, amplamente divulgada nos veículos de comunicação, nas redes sociais e no programa de televisão do candidato. Foram muitas as tentativas, nos telejornais e nas redes sociais, de provar que algum objeto pesado realmente atingira o candidato, nenhuma com sucesso. O fato é que, poucos minutos antes da suposta agressão, o candidato foi atingido por uma bolinha de papel. Este fato foi documentado por, pelo menos, cinco câmeras de televisão. A imprensa, que tanto discutiu a agressão que ninguém viu, nunca se interessou por investigar quem foi o homem que, diante de cinco câmeras de tevê, jogou a bolinha de papel em José Serra.

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TAPIOCA

Um escândalo de 8 reais e 30 centavos

No final de 2011, o ministro dos esportes Orlando Silva foi vítima de uma tentativa de “assassinato de reputação”. A imprensa deu grande repercussão aos gastos do ministro com seu cartão corporativo. Ele foi acusado de gastar indevidamente R$ 8,30 na compra de uma tapioca. Logo a seguir, a revista Veja estampou em sua capa (e cartazes em bancas) a “informação” de que o “ministro recebia dinheiro na garagem” do ministério, dinheiro de propina. A afirmação era baseada exclusivamente nas declarações de um homem que foi preso, acusado de desviar mais de um milhão de reais de um programa educacional destinado aos alunos de escolas públicas. Este homem disse ao repórter da revista que “por um dos operadores do esquema” – isto é, um dos acusados e presos por desviar dinheiro das crianças carentes de Brasília – ele “soube na ocasião que o ministro recebia dinheiro na garagem.” Sete dias depois, o mesmo homem negou ter qualquer prova contra o ministro. Cinco dias depois, Orlando Silva deixa o Ministério para poder se defender das denúncias. Em junho de 2012 o ex-ministro foi inocentado pela Comissão de Ética da Presidência da República por absoluta falta de provas. O denunciante, a única fonte da grave acusação da capa da revista contra o ministro, foi preso várias vezes, antes da denúncia, em 2011, por corrupção, invasão de prédio público, agressão e ofensa racial, e dois anos depois, em 2013, por receptação de material roubado.

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ESCOLA BASE

O poder destruidor da calúnia

Escola Base foi uma escola infantil da zona sul de São Paulo, fechada em 1994 quando seus proprietários, sócios e uma professora foram injustamente acusados de abuso sexual contra alguns alunos de quatro anos. A escola foi depredada e os proprietários e professores tiveram que ser protegidos pela polícia para não serem linchados. Nada ficou provado. O delegado inocentou os seis acusados e o inquérito foi arquivado três meses após o surgimento das denúncias. Vinte anos depois, vários veículos de comunicação foram condenados a indenizar os professores acusados.

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RECEITA DE CAIPIRINHA NO DIÁRIO OFICIAL

O mau jornalismo perde a razão mas não perde a piada

Em novembro de 2008, no pior momento da crise financeira, uma matéria da Agência Estado, amplamente repercutida por vários jornais, tinha a seguinte manchete: “Governo ‘ensina’ a fazer caipirinha no Diário Oficial”. O fato, como a leitura atenta da própria notícia deixa claro, é que o Ministério da Agricultura publicou no Diário Oficial através de uma Instrução Normativa (I.N.), como é sua obrigação, as especificações técnicas de uma bebida, assim como faz de todas as bebidas e alimentos disponíveis no mercado. É obrigação do Ministério agir assim, em defesa do consumidor: trata-se da composição e ingredientes de um produto comercializado, exportado. Não são – como afirma a matéria – “dicas” do Ministério, que teria resolvido “às vésperas do fim de semana”, “ensinar aos apreciadores de bebidas alcoólicas a preparar uma autêntica caipirinha”. A Agência Estado sabe, mas não resiste à piada fácil que reforça preconceitos contra o governo Lula.

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